sexta-feira, 22 de maio de 2015

[ENSAIO ANALÍTICO] AMOR DE PERDIÇÃO


                Amor de Perdição, nitidamente, mostra seus traços típicos do ultrarromantismo português, a começar pelo invencível amor de Simão e Tereza, que é uma característica marcante deste romance. As atitudes dos personagens são sempre movidas por impulsos que sempre atropelam a razão, e esse comportamento exacerbado define muito bem o romântico.
            Camilo baseia a história de Amor de Perdição em documentos verídicos encontrados na cadeia da Relação do Porto, quando ali esteve preso, de 1860 a 1861, acusado de adultério com Ana Plácido, crime então punido pelas leis nacionais. No entanto, independentemente disso, a veracidade da trama não é comprometida porque uma obra literária existe por si só, não importando a origem da história que o autor irá narrar, desde que contenha elementos característicos de um verdadeiro trabalho artístico. Para efeito de conhecimento, Camilo seria filho de Manuel Botelho, irmão do problemático “herói” de Amor de Perdição, Simão Botelho.  
Breve Histórico da Obra: Simão e Tereza são vizinhos. Ele tem 17 anos e ela, 15. Apaixonam-se profundamente, mas suas famílias são inimigas. Assim que ficam sabendo desse amor, as respectivas famílias – Botelho e Albuquerque – tomam providências para afastá-los. Simão é enviado para a cidade de Coimbra e Tereza é constrangida a aceitar casamento com o primo Baltasar. Como uma perfeita heroína romântica, Tereza se recusa a trair seu amor e prefere encerrar-se num convento. Simão volta para Viseu e recebe a ajuda do ferreiro João da Cruz e de sua filha Mariana. Porém, numa disputa com Baltasar, acaba matando-o. Simão é preso – na verdade, ele se entrega – e condenado à morte. Enquanto Tereza padece no convento, Simão tem sua pena de morte revogada e transformada em exílio, devendo embarcar para a Índia, onde deverá ficar dez anos. Mariana, que o ama, resolve dedicar-se a ele até o fim da vida e o acompanha na viagem. 
Simão, Tereza e Mariana, principal triângulo amoroso do romance, consideram o amor como a coisa mais importante da vida, em evidente oposição ao valor mais cultivado por Tadeu de Albuquerque, pai de Tereza, um nítido burguês: o dinheiro. A supervalorização do amor é a conseqüência mais imediata do sentimentalismo exacerbado do Romantismo. Perder o amor significa para os três perder o sentido da vida. Essa perda provoca basicamente três conseqüências: a loucura, a morte ou o suicídio, situações comuns nos desfechos de romances românticos. Mas, sobre essas conseqüências, daremos conta posteriormente mais adiante.
            Simão Botelho, revolucionário e idealista, sofreu grande transformação por causa de seu amor por Tereza. Simão almejava concretizar seu amor com ela. No entanto, revelou-se ser um rapaz pessimista em relação à sociedade e a si mesmo. Por ser incapaz de atingir seu principal objetivo, ao constatar a impossibilidade de realizá-lo, Simão é envolvido pela angústia, estado que caracteriza o mal-do-século. Procurando saídas para seus problemas, Simão desenvolve mecanismos de evasão da realidade, como, por exemplo, a busca do isolamento, da solidão.
            Tereza de Albuquerque, a mulher idealizada, também desenvolve um mecanismo de escapismo, só que bem mais radical que Simão: a espera ou a evocação da morte. Tereza encara a morte como uma bem-aventurança. O isolamento de Tereza no convento a torna melancólica e sofrida, o que explicaria sua aflição e conseqüente ânsia da morte. Tereza almeja, acima de tudo, montar um lar com Simão, mas como esse sonho torna-se impossível, ela entrega-se à atração da morte. Tereza representa a fragilidade da mulher romântica. Ela não consegue, em nenhum momento, livrar-se do seu destino destrutivo. Presa no convento pelo pai, o pessimismo toma conta de seu espírito, levando-a a considerar tudo como um mal, refugiando-se no sonho e no devaneio que são verdadeiros substitutos para a vida real.  
            Mariana, por sua vez, é o retrato do amor em sua plenitude. Dedicada, Mariana não mede esforços para “proteger” Simão, o seu grande amor. Mas, apesar da totalidade de seus sentimentos, Mariana não é correspondida por Simão, tornando-se extremamente solitária. Mesmo assim, Simão reconhece a sua determinação, tratando-a sempre com carinho e atenção. Outra grande característica da carismática Mariana é a atmosfera de mistério que ela cerca a todos. Mariana parece possuir um sexto sentido bastante aguçado, que a permite ter premonições que envolvem as pessoas que ela ama, principalmente Simão. O suposto dom da premonição de Mariana a torna uma personagem bastante intrigante, caindo logo nas graças dos leitores.
Baltasar Coutinho foi o empecilho na vida de Simão. Tadeu de Albuquerque queria casá-lo com sua filha não só para impedir que ela se envolvesse – mais ainda – com Simão, mas também para unir as riquezas de ambos. Talvez, Baltasar amasse realmente Tereza, mas do seu jeito. Baltazar subestimou seu rival e acabou deliberadamente vitimado pelo inescrupuloso Simão. O romance toma um rumo totalmente diferente a partir do capítulo X, onde a desgraça parece abraçar o destino de todos os envolvidos. No capítulo X, Simão comunica em uma carta de despedida, antes de matar Baltasar Coutinho: “Considero-te perdida, Tereza”. A desistência de Simão fica clara, e, a colocação da amada inacessível, típica do Romantismo, torna-se evidente nessas palavras.
 O destino envia o ferreiro João da Cruz, pai de Mariana, para ajudar Simão. Em troca dos favores prestados por Domingos Botelho, pai de Simão, João da Cruz ajuda-o em seguidas vezes. O ferreiro tinha grande estima pelo desgraçado Simão, tanto que ele teria muito “gosto” em vê-lo ao lado de sua filha. Mas, Simão jamais desistiria de seu grande amor, Tereza. Inesperadamente, no capítulo XVII, João da Cruz é literalmente assassinado por vingança pelo filho do recoveiro de Carção, chamado Bento Machado. A partir do momento em que Mariana fica sabendo do ocorrido, Simão passa a ser seu único refúgio, decidindo ficar com ele até o último dia de sua miserável vida.
Manuel Botelho, sempre foi o oposto de seu irmão, até o dia em que ele decidiu fugir com uma açoriana casada. Sua mãe sempre o apoiou mandando-lhe dinheiro para o seu sustento. Essa é uma das razões que explica porque Simão diz claramente “que sua mãe não o amava”, no capítulo VIII. Simão achava que sua mãe não se preocupava com ele, tendo pelo filho apenas um sentimento de obrigação.  
Voltemos a falar de Simão, Tereza e Mariana. O desejo de morte de Tereza é comum, tendo em vista seu desespero, ao encarar tristemente a impossibilidade de efetivar seu “amor eterno” por Simão, sendo incapaz de prosseguir vivendo, entregando-se a morte. Simão entrega-se também a morte, em face da desilusão de sua existência após saber da morte de sua amada Tereza, que assim como ela, morre definhado. Mariana não se conforma com a morte de seu amado Simão e comete suicídio se jogando ao mar. Este final faz jus ao Romantismo. Todos tiveram um fim trágico, sendo uma característica digna desse estilo de época.
Enfim, a trágica história de dois jovens que se apaixonam, mas não podem se unir porque pertencem a famílias que se odeiam, Amor de Perdição tinha tudo para emocionar – ainda mais – os leitores e garantir vida longa ao livro, porém, o tema, em si, não é novo, pois afinal, para citar apenas um exemplo famoso, Shakespeare, que foi um precursor Romântico, já tinha usado essa idéia na peça Romeu e Julieta, no século XVI, hoje, um clássico da literatura mundial.

BIBLIOGRAFIA

BRANCO, Camilo Castelo. Amor de Perdição. 3ª ed. São Paulo: FTD, 1996. (Coleção grandes leituras).      


Por Max Moreira

domingo, 8 de fevereiro de 2015

CARACTERIZAÇÃO DO PERSONAGEM 'FABIANO' – VIDAS SECAS (GRACILIANO RAMOS)



        Fabiano é um homem bruto e rude, porém capaz de analisar a si mesmo. Ele tem consciência de que mal sabe falar, mas admira os que sabem se expressar, como por exemplo, Seu Tomás da Bolandeira, seu ex-patrão. Este fragmento deixa bem claro as limitações de Fabiano: "Admirava as palavras compridas e difíceis da gente da cidade, tentava reproduzir algumas, em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez perigosas” (p. 20).O próprio Fabiano chega à conclusão de que não passa de um bicho. Vejamos o trecho seguinte: “– Você é um bicho, Fabiano” (p. 18). Esta é uma frase de animalização, dita por Fabiano a si próprio, já que ele conseguia sobreviver à seca e se orgulhava disso. Vejamos este outro fragmento para reforçar o que foi dito até aqui: “Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades” (p. 18). 
         Fabiano é um homem humilhado pela sociedade a que pertence, sendo que ele não consegue fugir de sua condição de animalização imposta pela estrutura social. Talvez seja por isso que Fabiano sente-se um homem inferior diante das outras pessoas. Ele se sente inferior diante de pessoas como Seu Tomás da Bolandeira que possui um status econômico elevado, além de ser um homem extremamente culto. Seu Tomás é sempre referência na vida de Fabiano e de sua família. Por exemplo, Fabiano sempre utiliza palavras difíceis a fim de imitar seu ex-patrão, com o intuito de parecer “sabido”. Este fragmento comprova muito bem isso: “Em horas de maluqueira, Fabiano desejava imitá-lo [seu Tomás da bolandeira]: dizia palavras difíceis, truncando tudo, e convencia-se de que melhorava. Tolice. Via-se perfeitamente que um sujeito como ele não tinha nascido para falar certo” (p. 22). No entanto, nem mesmo sua família consegue entender suas palavras, porém, apenas Sinhá Vitória consegue entendê-lo, aconselhando-o por diversas vezes. Já o Soldado Amarelo representa para Fabiano a força do Governo a qual não se pode vencer. Fabiano, mesmo sendo preso injustamente pelo Soldado Amarelo, não consegue se vingar dele quando teve a chance, simplesmente por respeitar o posto de representante do Governo. Isso fica evidente neste trecho: “Viu apenas que estava ali um inimigo. De repente notou que aquilo era um homem e, coisa mais grave, uma autoridade (grifo meu). Sentiu um choque violento, deteve-se, o braço ficou irresoluto, bambo, inclinando-se para um lado e para outro” (p.100). Diante deste panorama, podemos concluir que não é só a seca que embrutece o retirante sertanejo, mas também as injustiças cometidas pelas autoridades. 
         Fabiano é honesto, e como ele não é um homem instruído, acaba sendo vítima da corrupção. Exemplo disso, é que Sinhá Vitória descobre que o patrão atual “rouba” nas contas do marido. Nota-se que Sinhá Vitória é bem esperta e o próprio Fabiano admite isso em algumas passagens. Vejamos este trecho: “Não se conformou. Devia haver engano. Ele era bruto, sim senhor, via-se perfeitamente que era bruto, mas a mulher tinha miolo” (p. 93). Fabiano é um homem que, apesar de embrutecido, apresenta uma certa resistência a sua condição de animalização e, às vezes, consegue ser capaz de demonstrar sentimentos de humanização. O sentimento de culpa por matar a cachorra Baleia não o deixa. Vejamos este fragmento: "Chegou-se a sua casa, com medo. Ia escurecendo e àquela hora ele sentia sempre uns vagos terrores. Ultimamente vivia esmorecido, mofino, porque as desgraças eram muitas. Precisava consultar Sinhá Vitória, combinar a viagem, livrar-se das arribações, explicar-se, convencer-se de que não praticara uma injustiça matando a cachorra. Necessário abandonar aqueles lugares amaldiçoados. Sinhá Vitória pensaria como ele” (pp. 114-115). 
        Percebe-se que Fabiano, por diversas vezes, tenta enganar-se a si mesmo em seus devaneios. Vejamos o trecho que se segue: “Fabiano contava façanhas. Começava moderadamente, mas excitara-se pouco a pouco e agora via os acontecimentos com exagero e otimismo, estava convencido de que praticara feitos notáveis. Necessitava esta convicção” (p. 66). No entanto, as aspirações de Fabiano são sempre frustradas pela sua triste condição diante da miséria e das injustiças que o cercam. O fantasma da seca sempre assombra o espírito de Fabiano. A inquietação é constante. Podemos verificar isso no seguinte trecho: “(...) e Fabiano senti-a [a seca] de longe. Senti-a como se ela já tivesse chegado, experimentava adiantadamente a fome, a sede, as fadigas imensas das retiradas” (p.112). Mesmo assim, Fabiano não consegue abandonar seus sonhos e desejos mais íntimos, assim como sua mulher, Sinhá Vitória. Apesar de Fabiano não conseguir se expressar da forma com ele almeja, ele tenta exteriorizar seus sentimentos e anseios, porém se decepciona por não ser capaz de ser compreendido, e, também, de não poder fazer nada para mudar sua triste realidade. Apenas Sinhá Vitória consegue compreender seus anseios, o que acaba sendo um conforto para ele. Fabiano tem consciência de sua limitação e teme ir além por ser totalmente dependente de seu patrão. O trecho seguinte retrata bem as razões que impedem Fabiano de ir além de sua pretensão: “(...) Mas receava ser expulso da fazenda. E rendia-se. (...) era bom pensar no futuro, criar juízo” (p.92). 
       Fabiano julga-se um cabra que serve apenas para cuidar das coisas dos outros. Podemos constatar com este trecho: “(...) E, pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. (...); mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra” (p. 18). Por isso, não consegue pensar diferente, apesar dos anseios, por possuir um sentimento de inferioridade. Esse trecho deixa claro o que foi dito anteriormente: “Comparando-se aos tipos da cidade, Fabiano reconhecia-se inferior” (p.76).
    Fabiano sempre questiona sua condição miserável e tenta encontrar uma explicação para sua desgraça. O fragmento seguinte nos dá uma idéia disso: “(...) Por que não haveriam de ser gente, possuir uma cama igual à de seu Tomás da bolandeira? (...) Por que haveriam de ser sempre desgraçados, fugindo no mato como bichos? Com certeza existiam no mundo coisas extraordinárias. Podiam viver escondidos, como bichos?” (p.121). Para reforçar, vamos acompanhar outra passagem que mostra Fabiano questionando as coisas ruins que acontecem com ele: “(...) Passar a vida inteira assim no toco, entregando o que era dele de mão beijada! Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca arranjar carta de alforria!” (p.93).  
         Para finalizar, podemos dizer que Fabiano e sua família vivem um misto de sonho, frustração e descrença. Este fragmento retrata de forma fantástica a afirmação anterior: "E andavam para o sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes. Os meninos em escolas, aprendendo coisas difíceis e necessárias. Eles dois velhinhos, acabando-se como uns cachorros, inúteis, acabando-se como Baleia. Que iriam fazer? Retardaram-se, temerosos. Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, sinhá Vitória e os dois meninos” (p. 126).
           


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA


RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. Posfácio de Álvaro Lins, ilustrações de Aldemir Martins – 93ª Edição – Rio, São Paulo: Record, 2004.


Por Max Moreira

POSTAGEM HEROICA-MEU HERÓI NA ALFA PRIME-FICHA TÉCNICA

  HANNA FICHA TÉCNICA COMPLETA  AUTOR - MAX MOREIRA Ficha Técnica da personagem HANNA desenhada de frente - ALFA PRIME - Edição Especial - J...