O Poeta Entre o Céu e o Inferno
(Gregório de Matos)
A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos,
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.
A vós, divinos olhos, eclipsados
De tanto sangue e lágrimas cobertos,
Pois, para perdoar-me, estais despertos,
E, por não condenar-me, estais fechados.
A vós, pregados pés, por não deixar-me,
A vós, sangue vertido, pra ungir-me,
A vós, cabeça baixa, para chamar-me.
A vós, lado patente, quero unir-me,
A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.
DECOMPOSIÇÃO DOS VERSOS EM SÍLABAS POÉTICAS
A / vós / co / rren / do / VOU, / bra / ços / sa / GRA
/ (dos),
1 2 3 4 5 6 7 8
9 10
Ne / ssa / cruz / sa / cro / SSAN / ta / des / co / BER
/ (tos),
1 2 3 4 5
6 7
8 9 10
Que, / pa / ra / re / ce / BER / -me, es / tais / a / BER / (tos),
1 2
3 4 5
6 7 8 9 10
E, / por / não / cas / ti / GAR / -me, es / tais / cra / VA / (dos).
1 2 3 4 5 6 7
8 9 10
A / vós, / di / vi / nos / O / lhos, / e / clip / SA
/ (dos)
1 2 3
4 5 6 7 8 9 10
De / tan / to / san / gue e / LÁ / gri / mas / co / BER
/ (tos),
1 2
3 4 5
6 7 8 9 10
Pois, / pa / ra / per / do / AR / -me, es / tais / des / PER / (tos),
1 2
3 4 5 6 7 8
9 10
E, / por / não / con / de / NAR / -me, es / tais / fe / CHA / (dos).
1 2 3 4 5 6
7 8
9 10
A / vós, / pre / ga / dos / PÉS, / por / não / dei / XAR
/ -(me),
1 2 3
4 5 6 7
8 9 10
A / vós, / san / gue / ver / TI / do, / pra / un / GIR
/ -(me),
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
A / vós, / ca / be / ça / BAI / xa, / pra / cha / MAR
/ -(me).
1 2 3
4 5 6
7 8
9 10
A / vós, / la / do / pa / TEN / te, / que / ro u / NIR / -(me),
1 2 3
4 5 6 7 8 9 10
A / vós, / cra / vos / pre / CIO / sos, / que / ro a / TAR / -(me),
1 2 3 4 5 6
7 8
9 10
Pa / ra / fi / car / u / NI / do, a / ta / do e / FIR / (me).
1 2 3
4 5 6 7 8 9
10
ESQUEMA RÍTMICO
E.R. 10 (6-10) - (A)
E.R. 10 (6-10) - (B)
E.R. 10 (6-10) - (B)
E.R. 10 (6-10) - (A)
E.R. 10 (6-10) - (A)
E.R. 10 (6-10) - (B)
E.R. 10 (6-10) - (B)
E.R. 10 (6-10) - (A)
E.R. 10 (6-10) - (C)
E.R. 10 (6-10) - (C)
E.R. 10 (6-10) - (C)
E.R. 10 (6-10) - (C)
E.R. 10 (6-10) - (C)
E.R. 10 (6-10) - (C)
O poema é um soneto
italiano constituído por dois quartetos e dois tercetos.
Todos os versos são
decassílabos heroicos.
O poema completo é
isométrico, ou seja, possui versos com tamanhos iguais.
Todos as estrofes são
isorrítmicas, ou seja, possui rimas iguais.
Os versos possuem
rimas externas e rimas consoantes.
ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO
Na arte Barroca, a imagem do
Cristo sofredor é muito mais comum do que a imagem do Cristo vitorioso.
Representa-se mais a dimensão humana de Cristo, – as marcas
de seu sofrimento como homem – do que
sua dimensão divina – a sua vitória
sobre a morte, como Filho de Deus. Essa imagem do sofrimento físico causa um
grande impacto e envolve emocionalmente as pessoas, e esse é um dos objetivos
principais do artista barroco.
No
soneto de Gregório de Matos, vemos que o eu lírico volta-se exatamente para o
corpo crucificado de Cristo, descrevendo suas feridas e as marcas de seu
martírio. Mas é esse sofrimento físico a garantia da salvação da alma que ele
busca, pois, segundo a fé católica na época, o sangue de Cristo foi derramado,
para salvar o homem pecador.
Observe
que o eu lírico, na medida em que descreve o corpo de Cristo, revela o valor
espiritual e resgatável do sofrimento físico. Ao analisar o primeiro quarteto,
vemos que os braços estão abertos para amparar e proteger o pecador, mas estão
“pregados” para não castigar. Analisando agora o segundo quarteto, notamos que
os olhos, “encobertos” de sangue e lágrimas, estão abertos para perdoar, mas
fechados para não castigar. No primeiro terceto, observamos que os pés pregados
reforçam a ideia de sofrimento ao mesmo tempo em que sugerem que Cristo não
abandonará o pecador. O sangue “derramado” ganha o valor simbólico do sacrifício
que salvará e abençoará a humanidade. A cabeça baixa que revela o fim das
forças físicas é vista como uma atitude de amor, pois Cristo abaixa os olhos
para chamar-lhe o pecador. No último terceto, o desejo de união espiritual com
Cristo é representado pelo desejo de união física. O eu lírico quer ficar pregado
na cruz junto com o próprio Cristo.
Neste
poema, há a repetição da mesma palavra: “A vós”. Como acontece sempre na mesma
posição, recebe o nome de anáfora. O eu lírico dirige-se a muitas pessoas, e no
caso, ele refere-se à própria humanidade pecadora. Também há repetições de outras palavras:
estais, quero e para. Tudo isso mantêm a sonoridade do poema, tornando-o mais
sugestivo.
Há no
poema, uma grande dramaticidade, pois o eu lírico expressa a consciência do
pecado e o desejo da salvação. Essa hesitação que revela a dimensão carnal e
espiritual do homem é uma das características marcantes da literatura barroca.
Por Max Moreira