Amor de Perdição, nitidamente,
mostra seus traços típicos do ultrarromantismo português, a começar pelo
invencível amor de Simão e Tereza, que é uma característica marcante deste
romance. As atitudes dos personagens são sempre movidas por impulsos que sempre
atropelam a razão, e esse comportamento exacerbado define muito bem o
romântico.
Camilo
baseia a história de Amor de Perdição em documentos verídicos encontrados na
cadeia da Relação do Porto, quando ali esteve preso, de 1860 a 1861, acusado de
adultério com Ana Plácido, crime então punido pelas leis nacionais. No entanto,
independentemente disso, a veracidade da trama não é comprometida porque uma
obra literária existe por si só, não importando a origem da história que o
autor irá narrar, desde que contenha elementos característicos de um verdadeiro
trabalho artístico. Para efeito de conhecimento, Camilo seria filho de Manuel
Botelho, irmão do problemático “herói” de Amor de Perdição, Simão Botelho.
Breve Histórico da Obra: Simão e Tereza
são vizinhos. Ele tem 17 anos e ela, 15. Apaixonam-se profundamente, mas suas
famílias são inimigas. Assim que ficam sabendo desse amor, as respectivas
famílias – Botelho e Albuquerque – tomam providências para afastá-los. Simão é
enviado para a cidade de Coimbra e Tereza é constrangida a aceitar casamento
com o primo Baltasar. Como uma perfeita heroína
romântica, Tereza se recusa a trair seu amor e prefere encerrar-se num
convento. Simão volta para Viseu e recebe a ajuda do ferreiro João da Cruz e de
sua filha Mariana. Porém, numa disputa com Baltasar, acaba matando-o. Simão é
preso – na verdade, ele se entrega – e condenado à morte. Enquanto Tereza
padece no convento, Simão tem sua pena de morte revogada e transformada em
exílio, devendo embarcar para a Índia, onde deverá ficar dez anos. Mariana, que
o ama, resolve dedicar-se a ele até o fim da vida e o acompanha na viagem.
Simão, Tereza
e Mariana, principal triângulo amoroso do romance, consideram o amor como a
coisa mais importante da vida, em evidente oposição ao valor mais cultivado por
Tadeu de Albuquerque, pai de Tereza, um nítido burguês: o dinheiro. A supervalorização
do amor é a conseqüência mais imediata do sentimentalismo exacerbado do
Romantismo. Perder o amor significa para os três perder o sentido da vida. Essa
perda provoca basicamente três conseqüências: a loucura, a morte ou o suicídio,
situações comuns nos desfechos de romances românticos. Mas, sobre essas
conseqüências, daremos conta posteriormente mais adiante.
Simão
Botelho, revolucionário e idealista, sofreu grande transformação por causa de
seu amor por Tereza. Simão almejava concretizar seu amor com ela. No entanto,
revelou-se ser um rapaz pessimista em relação à sociedade e a si mesmo. Por ser
incapaz de atingir seu principal objetivo, ao constatar a impossibilidade de
realizá-lo, Simão é envolvido pela angústia,
estado que caracteriza o mal-do-século. Procurando saídas para seus problemas,
Simão desenvolve mecanismos de evasão da realidade, como, por exemplo, a busca
do isolamento, da solidão.
Tereza
de Albuquerque, a mulher idealizada, também desenvolve um mecanismo de
escapismo, só que bem mais radical que Simão: a espera ou a evocação da morte. Tereza encara a morte como uma bem-aventurança. O isolamento de Tereza
no convento a torna melancólica e sofrida, o que explicaria sua aflição e
conseqüente ânsia da morte. Tereza almeja, acima de tudo, montar um lar com
Simão, mas como esse sonho torna-se impossível, ela entrega-se à atração da
morte. Tereza representa a fragilidade da mulher romântica. Ela não consegue,
em nenhum momento, livrar-se do seu destino destrutivo. Presa no convento pelo
pai, o pessimismo toma conta de seu espírito, levando-a a considerar tudo como
um mal, refugiando-se no sonho e no devaneio que são verdadeiros substitutos
para a vida real.
Mariana,
por sua vez, é o retrato do amor em sua plenitude. Dedicada, Mariana não mede
esforços para “proteger” Simão, o seu grande amor. Mas, apesar da totalidade de
seus sentimentos, Mariana não é correspondida por Simão, tornando-se
extremamente solitária. Mesmo assim, Simão reconhece a sua determinação,
tratando-a sempre com carinho e atenção. Outra grande característica da
carismática Mariana é a atmosfera de mistério que ela cerca a todos. Mariana
parece possuir um sexto sentido bastante aguçado, que a permite ter premonições
que envolvem as pessoas que ela ama, principalmente Simão. O suposto dom da
premonição de Mariana a torna uma personagem bastante intrigante, caindo logo
nas graças dos leitores.
Baltasar
Coutinho foi o empecilho na vida de Simão. Tadeu de Albuquerque queria casá-lo
com sua filha não só para impedir que ela se envolvesse – mais ainda – com
Simão, mas também para unir as riquezas de ambos. Talvez, Baltasar amasse
realmente Tereza, mas do seu jeito. Baltazar subestimou seu rival e acabou
deliberadamente vitimado pelo inescrupuloso Simão. O romance toma um rumo
totalmente diferente a partir do capítulo X, onde a desgraça parece abraçar o
destino de todos os envolvidos. No capítulo X, Simão comunica em uma carta de
despedida, antes de matar Baltasar Coutinho: “Considero-te perdida, Tereza”. A
desistência de Simão fica clara, e, a colocação da amada inacessível, típica do
Romantismo, torna-se evidente nessas palavras.
O destino envia o ferreiro João da Cruz, pai
de Mariana, para ajudar Simão. Em troca dos favores prestados por Domingos
Botelho, pai de Simão, João da Cruz ajuda-o em seguidas vezes. O ferreiro tinha
grande estima pelo desgraçado Simão, tanto que ele teria muito “gosto” em vê-lo
ao lado de sua filha. Mas, Simão jamais desistiria de seu grande amor, Tereza.
Inesperadamente, no capítulo XVII, João da Cruz é literalmente assassinado por
vingança pelo filho do recoveiro de Carção, chamado Bento Machado. A partir do
momento em que Mariana fica sabendo do ocorrido, Simão passa a ser seu único
refúgio, decidindo ficar com ele até o último dia de sua miserável vida.
Manuel Botelho,
sempre foi o oposto de seu irmão, até o dia em que ele decidiu fugir com uma
açoriana casada. Sua mãe sempre o apoiou mandando-lhe dinheiro para o seu
sustento. Essa é uma das razões que explica porque Simão diz claramente “que
sua mãe não o amava”, no capítulo VIII. Simão achava que sua mãe não se
preocupava com ele, tendo pelo filho apenas um sentimento de obrigação.
Voltemos a
falar de Simão, Tereza e Mariana. O desejo de morte de Tereza é comum, tendo em
vista seu desespero, ao encarar tristemente a impossibilidade de efetivar seu
“amor eterno” por Simão, sendo incapaz de prosseguir vivendo, entregando-se a morte. Simão entrega-se também a morte,
em face da desilusão de sua existência após saber da morte de sua amada Tereza,
que assim como ela, morre definhado. Mariana não se conforma com a morte de seu
amado Simão e comete suicídio se jogando ao mar. Este final faz jus ao
Romantismo. Todos tiveram um fim trágico, sendo uma característica digna desse
estilo de época.
Enfim, a
trágica história de dois jovens que se apaixonam, mas não podem se unir porque
pertencem a famílias que se odeiam, Amor
de Perdição tinha tudo para emocionar – ainda mais – os leitores e garantir
vida longa ao livro, porém, o tema, em si, não é novo, pois afinal, para citar
apenas um exemplo famoso, Shakespeare,
que foi um precursor Romântico, já tinha usado essa idéia na peça Romeu e Julieta, no século XVI, hoje, um
clássico da literatura mundial.
BIBLIOGRAFIA
BRANCO, Camilo Castelo. Amor de Perdição. 3ª ed. São Paulo:
FTD, 1996. (Coleção grandes leituras).